História de um bairro…

De forma mais completa, o bairro da Barra Funda, localizado na zona centro-oeste de São Paulo, embora tenha amplo potencial cultural, ainda não ganhou a devida visibilidade no campo do turismo histórico. Talvez por ser originariamente um bairro operário, composto de ex-escravos negros e imigrantes europeus pobres, tenha sido relegado à condição de bairro exclusivamente operário sem que se percebesse o seu amplo capital cultural.

Para compreendermos em que contexto surgiu o bairro da Barra Funda, é importante entender como se deu o processo de povoamento da cidade de São Paulo. Foi apenas no decorrer dos séculos XIX e XX que a transformação urbana ocorreu efetivamente. Até a primeira década do século XIX, a cidade se estendia apenas na confluência do rio Tamanduateí com o Anhangabaú, região que hoje ocupa o antigo centro histórico de São Paulo, representado pelo Largo São Bento e pelo Vale do Anhangabaú. Em seu entorno, imensas chácaras, que pertenciam aos chamados Barões do Café, caracterizavam a paisagem do que hoje são os bairros residenciais paulistanos.

Dessa forma, a região da Barra Funda era uma extensa fazenda chamada Fazenda Iguapé, a qual foi loteada dando origem à Chácara do Carvalho, pertencente ao Conselheiro Antônio da Silva Prado, que mais tarde seria o primeiro prefeito eleito da cidade de São Paulo. O grande “boom” do desenvolvimento e da expansão ininterrupta da cidade se evidencia, especialmente na década de 1870, quando se conjugaram três fatores essenciais nesse processo: a circulação da riqueza proveniente das lavouras de café e de açúcar no interior do estado, que seguiam viagem nos trilhos ao passar pela cidade para enfim, chegarem ao porto de Santos; a chegada maciça de imigrantes europeus, principalmente italianos, devido à abolição dos escravos que resultou na necessidade de mão-de-obra na agricultura do café; e por fim, o investimento na industrialização da cidade decorrente dos excedentes agrícolas dos mesmos.

A industrialização do bairro se caracterizou principalmente, por dois motivos: o primeiro, aliado à grande facilidade de transporte ferroviário – Linha Sorocabana e Santos-Jundiaí – que cortavam as áreas próximas dos bairros vizinhos elitizados de Higienópolis e Campos Elísios; o segundo motivo foi a proximidade com o Parque Industrial que abordava as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, com suas instalações de fábricas ao longo dessas ferrovias. Em 1892 foi inaugurada a São Paulo Railway próximo à Linha Sorocabana que atualmente se situa exatamente no Viaduto da Avenida Pacaembu.

A partir da década de 1920, essas ferrovias não transportavam apenas café mas também, passageiros. Devido à esse processo, junto às fábricas, foram construídas em seus “quintais”, casas e vilas operárias localizadas geograficamente na parte baixa do bairro nas várzeas do Rio Tietê, destinada aos operários, cuja camada era constituída de brancos e negros pobres. Portanto, surtos de cólera, febre amarela, varíola junto com as cheias do rio, separavam socialmente e geograficamente esta classe social, das partes mais altas e higienizadas, de acordo com os sanitaristas, as quais eram destinadas à elite branca formada por pequenos burgueses, donos das riquezas oriundas do café.

Mas, com a crise de 1929, interrompeu-se o desenvolvimento do bairro com o fechamento de fábricas e o deslocamento dessa elite branca não demorou muito para acontecer. Essa migração e abandono de seus antigos casarões se transformariam, na década de 1970, em cortiços e favelas. Neste período, a região teve suas atividades industriais sensivelmente diminuídas, sobrando apenas algumas indústrias artesanais como: oficinas, marcenarias, serrarias e indústrias têxteis de pequeno porte. O bairro só viria aquecer suas atividades aos poucos com o transporte coletivo do Terminal Intermodal Barra Funda, que oferece a estação da linha 3 vermelha do Metrô de São Paulo – “Palmeiras-Barra Funda”, trens das antigas linhas Sorocabana e Santos-Jundiaí, além de ônibus que fazem viagens municipais, intermunicipais e internacionais.

O bairro, é casa de importantes manifestações culturais do Brasil como por exemplo, do escritor e poeta Mario de Andrade, que viveu e foi criado ali, além da apresentadora e cantora Inezita Barroso. Em 1989, foi inaugurado um grande reduto cultural da cidade de São Paulo: o Memorial da América Latina –localizado no antigo Largo da Banana- com prédios singulares projetados pelo renomado arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer. Além disso, o bairro ainda abriga estabelecimentos comerciais dos estúdios da Rede Record e abrigou desde 1973, o antigo e maior parque de diversões da cidade, o Playcenter. Atualmente, o bairro tem se destacado também por abrigar universidades de renome, o que confirma sua vocação cultural já apontada anteriormente.

Conhecer a história do bairro é o primeiro passo para apropriar-se do território e poder captar seu potencial histórico-cultural, desenvolvendo, assim, uma visibilidade maior que possibilite transformar o bairro num importante pólo turístico. Dessa forma, partindo da história do bairro é possível apropriar-se deste território, gerar atitudes de preservação, interação entre seus agentes sociais, que contribuam para as atividades turísticas na Barra Funda.

Fonte: BRUNELLI, Aidelli S. Urbani; et al. Revista Barra Funda. São Paulo: DPH, 2006. Série História dos Bairros, Vol. 29

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